expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

24 janeiro 2012

segura-te.

tens uma janela escancarada à tua frente. uma corrente de ar que te trespassa, como vidro cortante, gelado. os olhos fecham-se. agarras-te à cadeira, seguras-te na madeira velha como se dela tudo dependesse. com a força que nem sabias ter. mãos vermelhas, enrugadas de tanto apertar.

"segura-te com força senão o vento leva-te"

respiras fundo. susténs a respiração. só mais uns minutos, tens de te aguentar.
no instante em que abres os olhos, vês a sombra ao teu lado. começa na cadeira. é uma sombra cinzenta, mais cinzenta que o próprio cinzento. escura, cansada, contorcida. uma figura que se dobra sobre si, como se em desespero estivesse.

"segura-te com força"

acabas por ceder. cais. o vento leva-te. sentes o cimento contra o torso, o chão debaixo da pele.

[...]

acordas aquilo que te parecem três dias depois.
sendo na verdade o mesmo dia, exactamente três minutos depois de tudo isto, abres os olhos com vigor. adormeceste profundamente, o sono dos arrependidos, dos valentes, do mundo inteiro.
ainda meio entorpecida levantas-te, diriges-te à janela, entretanto fechada, como todas as manhãs, todos os dias. como sempre.

tudo permanece igual. a cadeira arrumada junto à secretária. os papéis organizados, arrumados. até o dia lá fora parece sereno demais. não corre uma aragem.
sentas-te à secretária.
começas a escrever. vorazmente, como se fosse fome.
páras. recomeças. páras. recomeças. páras.
e de repente, num assalto, um eco na memória. lembras-te.

só há uma coisa fora de lugar. ao teu lado, a terceira gaveta de cima aberta.
espreitas com atenção: fora de lugar uma fotografia daquele dia, naquela tarde, daquele lugar, dessas pessoas que já nem reconheces, mas que dizem um dia já teres sido tu.
a cabeçe estremece. o peito salta.

"segura-te com força senão o vento leva-te de novo"


gaveta fechada.



[considerações sobre a memória fotográfica e sua causa-efeito]

Sem comentários: