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28 dezembro 2012

chegar ao fim de mais um ano leva-te inevitavelmente à arrumação da casa.
este, foi um ano exigente.
um ano de decisões maiores que cidades, tão importantes quanto respiração. um ano de recordações surpreendentes. um ano difícil. e leve. e colorido. e a preto e branco. um ano de lágrimas espessas, de gargalhadas incontroláveis. um ano de contradições. de texturas, de camadas. de sentires. um ano inteiro de dias cheios, de coração cheio, de braços cheios.
um ano de transformações profundas. dentro e fora. de dentro para fora.

este, foi O ano.
e nem são precisas grandes explicações.
é mesmo assim. tu e eu sabemos bem, e cá dentro, e bem fundo.

feitas as contas, este foi o ano mais feliz da minha vida.
que o próximo seja só a continuação. e que as nossas vidas continuem assim mesmo, preenchidas de dias grandiosos, de poesia sentida, de música falada.

feliz ano novo*


12 dezembro 2012

de mãos abertas, contra o cimento.
as pernas tortas, bambas, penduradas na posição em que perderam a força e fizeram o corpo tombar grave no chão.
olhos semicerrados, braços esfolados. peito dorido.
boca seca, com palavras presas entre dentes. a voz rouca, nua, gasta.
lágrimas espessas, grossas, violentas contra as bochechas.

como boneca de trapos em fotografia a preto e branco.


21 novembro 2012

amor

lembro-me dos verões entre legos, bicicletas e correrias na rua de vossa casa. de jogar às escondidas de quintal para quintal, primeira liga do campeonato. a cabana feita de canas na horta. o cheiro a bolo de iogurte com sumo de laranja casa fora. a hora de entrar, para ver o mcgyver - mac givér como dizia ele.
os serões a ver "o lugar da história" no canal 2, em frente à lareira, com chá de cidreira.
as férias de campismo, na praia fluvial de coja, os incêncios ao fundo e o passarinho magoado que ele insistiu em trazer para lisboa e vocês carinhosamente deixaram.
a birra épica no escaroupim. a prenda de natal, antes de todas: um bloco e uma caneta com um panda na ponta "c'a ganda pocaria" disse. arrepender-me-ia para sempre, de lágrimas grossas sempre que me lembro.
a boneca que me trouxeram da áustria.
os passeios por lisboa, o primeiro passeio de eléctrico, até ao aquário vasco da gama.
aquela tarde no museu de arte antiga, com um cozido à portuguesa na tasca em frente.
o som do teclado da máquina de contabilidade dele e o roncar violento da máquina de costura dela, uma tarde inteira. tac tac tac tac. tsss tsss ttttt ttttt.
a mão forte, enquanto víamos televisão, em cima da minha. as festinhas nos cotovelos. os beijinhos-passarinho.
as aulas de condução na aroeira.
os passeios na golegã, o rio tejo e os sítios da vossa infância. o ribatejo.
os primeiros passos, segundo reza a história, numa tarde no estádio 1º de maio.
e as histórias intermináveis, ouvidas uma e outra e outra vez.
esta vida de recordações bonitas.

hoje observo-vos.
vejo um homem na contradição entre o alheamento total e a consciência plena de estar velho.
uma mulher amarga pela vida, demasiado cansada para dar valor ao que ainda tem e é tanto.
duas cabeças esquecidas, confusas, tristes, à espera. dois pares de mãos dadas. esse amor de sempre.
um vazio violento como garfo na barriga, sempre que vos visito.
eu na contradição de vos querer dizer tudo e não conseguir fazer nada.

cá dentro serão sempre a avó dos bolos e o avô das histórias que visitarei e guardarei no peito.
se for um dia um terço da avó que foram, saberei ser a melhor.




je vous aime.


ao avô Guia e à avó Lisa.

09 novembro 2012

luz boa

uma vida inteira no mesmo puzzle de ruas, nos mesmos quarteirões.
sabes de cor cada pedra da calçada, cada escrito na parede. dizes "olá" ao senhor do talho, "bom dia" à padeira. aproveitas e compras folhas quadriculadas na papelaria da dona são. o caminho para a escola todos os dias, várias vezes.
o coração bate até mais devagar sempre que lá voltas. abrandas. respiras melhor. estás em casa.

do meu novo bairro vê-se o rio ao fundo, lá em baixo, a espreitar por entre telhados e antenas. de tão perto, consegue até sentir-se a maresia em dias de nevoeiro. e ouvem-se os barcos ao longe, a avisar a passagem pela cidade.
uma luz brilhante invade as janelas de casa - essa casa tão bonita -, iluminando as paredes brancas, vazias, só à espera de nova história.
ao fundo da rua o quiosque para tabaco e jornal. a mercearia aberta até tarde, o cheiro a frango assado na rua de cima.
o jardim. esse jardim grande, discreto, guardador de segredos bonitos.
o som do eléctrico sobre os carris.
se esta cidade não for a mais bonita do mundo inteiro, será com certeza a mais bonita dentro de mim.
enamoro-me por ela todos os dias, sucessivamente, a cada rua, cada janela, cada recanto, cada árvore. estendo a língua à chuva e sorrio à luz brilhante.

e sinto o coração a bater mais devagar. a abrandar. respiro melhor.
estou em casa.




25 outubro 2012

a.cabeça.é.do.camandro.
andas meses a fio no limiar da estupidez, meses e dias em que só consegues ver o fio da navalha rente ao pescoço. as lágrimas que já não consegues segurar, por tudo e por nada. por nada e por tudo.
e depois, 
um dia de sol nasce. e tudo muda contigo.
as horas passam a ser quentes, impregnadas de luz, como um dia de praia que levas ao peito.
e num ápice, em legado de tudo saboreares livremente, preferes andar com medo de que algo mude e os dias voltem ao cinzento que eram.
a.cabeça.é.do.camandro.

deixa levar-te pela maré cheia.
liberta-te, malabarista. liberta-te...

a vida é bonita, os dias também. o que conta é o dia de hoje. 
amanhã, logo se vê.

19 outubro 2012

1 ano tem 365 dias.
8760 horas de vida que se renova.
525600 minutos de sorrisos, encontros, abraços, lágrimas.

1 ano de mais malabarista.






17 setembro 2012

[depois de 15 minutos a olhar inerte para o computador, sem saber como começar, e de olhos embaciados]


querem, a toda a força, fazer-te acreditar de que a vida não vale a pena.
e horas há em que quase te deixas levar por essa falácia.
o teu trabalho que afinal não tem valor, não serve para nada, que pode facilmente ser dispensado por mão de obra mais em conta. o corte colossal no que recebes ao fim do mês ou a ausência de salário há quase 3 meses. as contas estratégicas para ver o que sobra. o carro que se avaria e que lá está parado há 2 meses até que haja dinheiro para o arranjar. a casa emprestada onde vives e a incerteza de onde estarás daqui a 3 meses. - debaixo do eixo norte-sul, numa tenda?
sim, eles querem fazer-te acreditar que a vida, os dias, as horas, não valem a pena. sabem a amargo. daquele que corrói, destrói, queima.
querem que acredites que não vales nada.

[olhos embaciados de novo]

mas tu és mais teimosa que eles. hás de chorar descontroladamente sempre que precisares, para no minuto a seguir sorrires sem medos ao sol, ao mar. no melhor abraço do mundo, na dança mais bonita.
hás de lhes provar que a vida é muito mais do que contas, salários em atraso, contas da água e da luz, jantares requintados ou férias no brasil.
hás de lhes provar que a felicidade toda do mundo cabe no momento em que apesar de tudo e de todos, ele olha fundo nos teus olhos e te garante que hão de conseguir. que aquela será a mesinha que hão de trazer da viagem a marrocos, um dia destes. que num piscar de olhos estaremos em nossa casa, que estará coberta das recordações que traremos das viagens que fizermos e das fotografias que por lá tirarmos. a mesma casa que encheremos de amigos, de amor, de abraços, de lágrimas, de dias mais difíceis, de dias mais doces, a casa onde a-ela-mais-pequenina terá um quarto que encherá de posters quando for adolescente. um dia destes.
e ele segura-te com força, para que não caias agora, enquanto te fala, para que não caias nunca. segura-te para que tenhas a certeza profunda de que estejas onde estiveres, enquanto estiverem juntos estarão sempre em casa. e que o essencial, se encontra num simples mergulho na praia, num par de mãos dadas a olhar o pôr-do-sol, à beira de uma tenda, enquanto o arroz se faz no camping gas. num acordar leve, em manhã de inverno, em abraço protector. num sono tranquilo e profundo ao meu lado enquanto leio. num olhar cúmplice, no meio da multidão. numa dança ao som de concertina.

e tens a certeza de que a vida é muito maior do que te querem ensinar.
e todos os dias te vês transformar numa mulher mais bonita. a mais sortuda de todas.
e sabes, com a certeza concreta das coisas profundas, que nunca foste tão feliz. e que não serão os carros avariados, os salários em atraso, as contas para pagar e os impostos que te convencerão do contrário.
sabes, porque sentes.
e quem vive uma vida inteira sem sentir, nada poderá saber.



"Se queres fazer da tua vida um elo de eternidade e manteres-te lúcido até no meio do delírio, ama... Ama com todas as tuas forças, ama como se não soubesses fazer mais nada, ama até causares inveja a príncipes e deuses...[...]. Quem passar ao lado da mais bela história da sua vida só terá a idade dos seus remorsos, e nem todos os suspiros do mundo poderão embalar-lhe a alma..."

Yasmina Khadra
in "O que o dia deve à noite"




24 agosto 2012

a arte de ser feliz

a arte de ser feliz. a arte de fazer felizes os outros. eles. os de quem gostamos tanto.
a arte de saber viver assim, na passagem das horas e dos dias, com os bolsos sempre cheios e os sentidos alerta.
há quem a domine naturalmente, há quem vá aprendendo a dominá-la, há quem nunca o consiga.
ultimamente vivo assim, tonta, inebriada, atabalhoada - ainda mais do que o habitual - de tanto amor, de tão feliz, desta vida tão bonita de repente. desta vida atrevida, que sem permissão me invadiu o peito, a cabeça, o corpo, a casa, as manhãs, os fins-de-semana, as noites.
ser-se assim feliz, em pleno, de corpo e alma, até à mais ínfima fibra da pele, não é tarefa fácil. é preciso uma valente dose de coragem.
para se mudar o que é preciso. para se acabar com o que não faz falta. rompe-se de um só puxão a segurança do hábito, parte-se a normalidade, e os dias deixam de saber ao mesmo, deixam de ter previsão. a casa já não é a mesma, nem sequer a almofada que nos recebe à noite.
inspira-se profundamente e esticamos o peito para a frente, com a força que não usámos no tempo que gastámos até ali e concluímos que afinal de contas, aquela imagem gasta do espelho dos últimos tempos não passa de vapor do chuveiro.
que em cada um de nós reside toda a luz do mundo e que com os outros nos tornamos melhores.
assim, um minuto a seguir ao outro, um dia de cada vez, vamos aprendendo a felicidade. - sim! que também se aprende. e vamos aprendendo a liberdade. [como os meninos à volta da fogueira]
dito assim, mais parece citação de Osho.
mas não quero saber. porque não quero mesmo saber.

há lá coisa mais bonita do que ter encontrado uma vida nova? assim, com mensagens-poema a meio do trabalho, abraços a meio da noite, gargalhadas desenfreadas no meio da rua, danças bonitas no meio do coreto?

a arte de ser feliz com um olhar ao longe, com um sorriso cúmplice, com palavras em guardanapo no frigorífico, com piqueniques no jardim, com sestas na praia, com palavras cruzadas a dois, com grelhados à beira de uma tenda, com uma música que nos faz lembrar.
a arte de ser feliz nos dias normais.
e a arte de retribuir aos outros. eles. os de quem gostamos tanto.




["ai caramba que a miúda não se pode aturar de tão piegas."
não me lixem. aqui quem manda sou eu.]

16 agosto 2012

quando te perdem de vista ao primeiro embate,
o mundo desaba-te sobre os ombros, a testa, os pés, com a força violenta de uma tempestade em alto mar.
numa quase-tontura, perdes os sentidos, a razão, as certezas, perdes até o norte.
e ali ficas, à espera que a tempestade passe, te encontrem de novo e te reconheçam.
que saibam quem és e te segurem ao colo, te levem de volta a casa.



03 agosto 2012

o imenso mar


podia dizer-se tantas coisas sobre isto

fico-me pelo imenso mar. as férias imensas, de tão bonitas. as primeiras de muitas assim mesmo.
simples, memoráveis.

12 julho 2012

o teu primeiro ano

e os corações encheram-se de amor por ela.
a vida virou do avesso. girou com força e ficou mais bonita. mais luminosa.
faz hoje 1 ano que recebi o telefonema mais importante da minha vida. e esse momento, nunca se esquece.
o momento em que o coração rebenta de amor também não.
foi assim, no dia em que te conheci.
invadiste-nos os dias, a casa, os pensamentos, os corações.
nos teus 30 centímetros de gente ensinaste-me que a vida é de uma beleza infinita e que o essencial, se encontra nas coisas mais simples.
e decidi, naquele dia, não mais me conformar com a tristeza.
faz hoje 1 ano que sou tia. faz hoje também 1 ano que a mudança na minha vida começou.
[porque quando a tua perspectiva das coisas muda, tudo muda em teu redor.]

tu ali, tão pequenina. e já tão grande em todos nós.



Parabéns à Concha, a miúda mais bestial do mundo.

08 julho 2012

estou a começar a ficar muito zangada.
a avaria no computador. no carro. as contas. os problemas. a falta de soluções. aquilo que se estragou. aquilo que tem de se pagar. o dinheiro. o dinheiro. o dinheiro.
estou mesmo a começar a ficar muito zangada.
os dias bonitos e as coisas simples.
e logo a seguir.
pumba.de.rompante.p'ra.não.te.ires.habituando.muito.
uma porta que te embate na cara. a vida lá fora. a realidade que não dá tréguas. que não te deixa repousar. marinar. parar.
caramba.
agora é que estou mesmo a ficar muito zangada.


02 julho 2012

da simplicidade

a imensa felicidade das coisas simples.
um almoço improvisado entre duas mesas atabalhoadas e alguns vasos de flores numa varanda do subúrbio.
petiscos e coca-cola numa tasca barulhenta e escura.
gargalhadas descontroladas ao som de música pimba.
a companhia de amigos. uma fotografia-que-ficou-mesmo-bem-e-foi-um-acaso. banhos frios em praia fluvial. música bonita e tu que me convidas a dançá-la.
[o acordar de manhã ao teu lado.]
a praia. o mar. a maresia e o cheiro a creme solar. um prato de caracóis ao fim da tarde.
uma boleia: "passo aí p'ra te buscar".
um cigarro na varanda, debaixo da lua.
um abraço.
um recado dela. um recado dele.
o adormecer da bolinha de ânimo.
um convite para café.
uma mensagem no telefone.
um olhar. no meio de todos, sem ninguém saber, aquele olhar.
um bilhete de cinema, um bilhete de comboio.
línguas de gato.

[...]

a sublime felicidade das coisas simples, dos momentos bonitos e da - espero - constante capacidade de os saber reconhecer.


24 maio 2012

da família

cá dentro, bem guardados no peito, trago comigo
todos os lugares por que passei
todas as vidas que vivi
trago comigo todos os minutos até esta hora
e trago sobretudo todas as pessoas que por mim passaram.
as que estiveram e ficaram, as que passaram de relâmpago, as que estão, as que vão estando, as que estarão para sempre e as que todos os dias vão estando mais e ficando mais.
como esta nova família tradicional, que de tradicional tem muito pouco, que me enche a cada dança, cada gargalhada, cada nova partilha. esta nova família de pessoas especiais, bonitas. onde aquilo que conta está muito para além do palpável. e onde a dança e a música, são só mais um meio de comunicação. através do qual conversamos e partilhamos o que de mais íntimo temos num abraço forte, luminoso.

porque afinal,
"o essencial é invisível aos olhos. só se vê bem com o coração."



22 maio 2012

a vida que se renova todos os dias.
uma vida nova a cada despertar.
é surpreendente.
"como crianças", dizes e com razão, a cada nova decoberta.

10 maio 2012

e olha, escrevo-te talvez na esperança de que um dia, por acaso, sorte, circunstância, aqui passes e aqui leias o que te quero mesmo dizer, o que sempre te quis dizer e não deixaste. ou o tempo não deixou.
escrevo-te essencialmente para te dizer que jamais quis que tudo acontecesse assim. que jamais vos perdi de vista, jamais vos magoei intencionalmente.
para te dizer também que não posso, nem vou, tolerar que me abanem com a força com que me abanaste e por isso fui embora. só por isso virei as costas. e se isso faz parte da nova malabarista, uma tal que já não conheces, que assim seja. porque esta sou eu agora. a malabarista que como toda a gente, erra. e erra valentemente, ou pouco, conforme o caso. mas que pede desculpa. sobretudo porque não o faz propositadamente. e seria bom que os meus amigos-família, como eram vocês, o soubessem.
e me não perdessem também de vista, assim, à velocidade da luz.
escrevo-te para te dizer que apesar de tudo o que foi dito, de tudo o que ficou por dizer, das lágrimas, da revolta, sobretudo da tristeza e da distância,
as saudades que tenho apertam-me com força o peito.
as saudades das risotas tontas, das partilhas grandes, das cantorias, da ternura.
as saudades vossas.
as tantas e tantas e tantas e tantas e tão grandes saudades dele, o pequenino, mais grandioso que o sol.
escrevo-te na esperança que passes por aqui e saibas que
vos penso
vos lembro
vos guardo.

até um dia.

e que até lá, os vossos dias sejam compostos por nada mais senão a melodia bonita de dias bons, solares, quentes.

30 abril 2012

o coração maior, muito maior, que todas as palavras do mundo.
o coração que parece querer rebentar pelas costuras mas que de alguma maneira parece conter sempre mais, todos os dias mais, a cada manhã maior.
as palavras todas do mundo que não chegarão nunca.
este meu coração que não sabia dar para tanto.
este meu coração envergonhado, atordoado, atabalhoado, adolescente, que tremelica de cada vez que te vê.
este meu coração renovado, que nasceu outra vez.




[falar de amor é cliché.
bem sei.
mas no estado em que estou, são-me permitidas todas as pirosices que quiser.]

23 abril 2012

triângulo

era uma vez um triângulo.

dois pontos paralelos no começo, ligados por uma recta delicada entre si, como quem dá as mãos e segue em frente.

na impossibilidade de seguir em paralelo - pois falamos de um triângulo - nascem duas outras rectas, desta feita consistentes, feitas de argamassa, que lentamente se vão encaminhando para o mesmo ponto solar, o topo do triângulo, como cume de montanha.



juntas, transformam-se agora num mesmo ponto, que aponta e foge para a frente.
com coragem, força, determinação.

juntos,
poderemos tudo.

18 abril 2012

lembranças

lembro-me
de quase termos desistido.
[lágrimas grossas, velozes, bochecha a baixo, numa manhã dura e azul]
lembro-me
de quase termos dito "não" a isto
[gritos mudos em casa de banho pública, escondida para que ninguém me soubesse]
lembro-me
do toque, em segredo, no meio da multidão, dos encontros secretos ao som de música bonita.
[dentes crivados, contra os lábios, num leve contorcer de desespero]
lembro-me
de cada degrau subido em desespero ao fim de uma noite de sentires maiores que o coração.
[as mãos trementes e a chave que não entra na porta]
lembro-me

e espero nunca me esquecer.

[para que saibamos sempre o que nos trouxe aqui]

15 abril 2012

a suspensão das coisas # 2

perguntam-me porque danço.
que coisa é essa afinal.

[...]

fechar os olhos.
o mundo todo ficou lá fora: o trabalho, o ruído, as filas, os papéis, o trânsito, as decisões, os amigos, até a família. deixas tudo do lado de lá, para seres apenas um corpo e um nome, no meio da multidão.
fechar os olhos e ouvir o que diz a música.
segui-la.
deixar que seja ela a decidir por ti.
viajar para longe, à velocidade da luz ou ao ritmo das ondas do mar. o balançar ritmado, ondulante, de um corpo leve, livre, pleno. um corpo que fala sem falar. melancólico e alegre. saudoso e feliz. cansado e enérgico. um corpo que diz tudo sem que precises de dizer nada.
longe, lá bem longe, onde ninguém chega, onde ninguém vê, onde existes unicamente para o verbo Ser.
longe, lá bem longe, onde suspendes o mundo.

sem juízos de valor. sem preconceitos. sem regras. sem coordenadas. sem obrigações.
apenas a música. e o teu corpo.
tu algures a flutuar entre os dois.

ansiolítico dos dias volumosos.
terapia da vida mundana.

longe, lá bem longe, onde te acompanham os sorrisos, gargalhadas e abraços cúmplices de quem caminha ao teu lado, de quem também deixou o mundo do lado de fora. de corpos que, como tu, também suspendem a vida dançando.

respondo, finalmente, que danço essencialmente, para me saber ser em pleno.

14 abril 2012

a suspensão das coisas # 1

quando tiras uma fotografia, suspendes, na verdade, o mundo inteiro.
naquela fracção de segundo estão contidas todas as ilusões, desilusões, imaginações.
todos os sorrisos, gargalhadas, tempestades, novidades e amizades.
todos os segundos do mundo, todos os momentos do mundo, daquele exacto congelar de tudo e todos.
quando tiras uma fotografia, suspendes o mundo inteiro.

poderemos suspender, assim, o mundo, sempre que quisermos?

10 abril 2012

a melancolia dos dias cinzentos

e se...?
começam as perguntas.

e se, tão certo como o tempo mudar todos os dias,
tudo isto mudar também?
e se, acordarmos amanhã e aquilo que nos espera não será mais que desilusão, cansaço, desgasto?

dizes-me que o dia mais importante das nossas vidas é hoje.
e tens razão. só tenho de me lembrar mais vezes.

06 abril 2012

manual da auto-comiseração #3

havia dias em que acordar era penoso, doloroso, vagaroso, diria mesmo, perigoso.
dias em que cimento te apertava as têmporas com força e tudo girava em teu redor. e ficavas ali, na espectativa, com medo, sem saber como parar o mundo, pará-lo a tempo da implosão.
arrastavas-te pela cidade cinzenta, triste, zangada contigo, zangada com todos, todos zangados com a cidade.
[que mal te fizera ela, afinal?]

folheavas apenas um livro que não era o teu, deixavas que o vento voltasse as páginas por ti. lias, sem ler. estavas ali. dormente, ausente.
a porcaria de um comando de televisão como melhor amigo.
[que agora não passa de objecto caduco em cima de um móvel, desligado da electricidade.]

como Ícaro preso no labirinto.

essa pessoa, já foste tu.
que nunca te esqueças.




 foste: pretérito perfeito do verbo Ser.

21 março 2012

gotas, pingos, salpicos.
espirros, lágrimas.
saltaricos, rodopios, braços no ar, saia rodada e cabelos ao vento.
malmequeres e girassóis.
é a primavera.

bem-vinda!

16 março 2012

1 + 1 = 1

e do nada, sem pedires, sem esperares, sem contares com isso, sem tão pouco saberes porquê, a porta abre-se e uma luz forte ilumina-te a casa.
estás do lado de fora a observar tudo, como se não estivesses lá, como se fosses apenas espectador.
sorris sem que ninguém saiba.
observando ainda, apercebes-te que és mesmo tu que ali estás. esta é mesmo a tua casa e esta luz é mesmo para ti.

uma dança bastou.
dois corpos num beijo.
quatro pernas num abraço,
dois corações a bater-mais-depressa-tão-depressa.
o início de uma história que havia já começado sem sabermos, no primeiro suspiro ao nascer. dois capítulos de um mesmo livro, numa existência paralela que, acredito, nos conduziu ao exacto momento por que esperámos uma vida inteira.
uma dança que desafia as elementares leis da matemática. uma dança eterna.

a dança mais bonita,
esta, a da minha vida contigo nela.

13 março 2012

a magnitude dos detalhes

sol quente em bochechas frias.
chá com mel em garganta arranhada.
melodia tranquila, leve, doce.
música.
aragem fresca de manhã ao sair de uma tenda.
vista para o mar.
voo de andorinha.
sorriso largo, que me recebe.
um instrumento de cordas.

assim és tu.

05 março 2012

chegar a casa

há poucas sensações melhores que o deitar-se na própria cama chegado de uma viagem extenuante, longa.
as costas que quase em dor se ajustam ao colchão. o perfume a lençóis lavados a envolver o torso. o repousar das ideias na almofada.
fechar os olhos e ser embalado pelo escuro.
sonhar com novos mundos, outras cores, maiores danças. viajar de novo.
há poucas sensações que se equiparem a esta, mas existem.
chegar a casa, é verdadeiramente bom.

29 fevereiro 2012

terapia de choque.
sair de casa. levar com o frio nas bochechas, as mãos geladas.
geralmente o sol faz-te esquecer do que não gostas. o frio não. o frio rasga-te por fora e por dentro. trinca-te as ideias, a alma. à força, à bruta.
lembras-te do que te tinhas forçado a esquecer, pensas no que não queres saber, descobres o que não queres que exista, concluis o que não queres decidir.
o coração foge-te do peito, um arrepio acorda-te velozmente.
está tudo ali, escancarado à tua frente.

pudesse vir o sol outra vez.

17 fevereiro 2012

os meus dentes chumbados

diz o provérbio que "quem feio ama, bonito lhe parece".
assim de um minuto que salta para o seguinte, tudo o que te compõe, bonito ou feio, bom ou mau, virtudes ou defeitos, parece coberto de deslumbre.
deixam de importar o remoinho na testa, o nariz torto e bicudo, a barriguinha desajeitada, a celulite, a voz desafinada, aquele sinal, o cabelo difícil de pentear, os pés tortos e os joelhos para dentro, as unhas roídas, o mau feitio matinal, o mau feitio diário, o ressonar, a tampa da sanita para cima, as cascas de tanjerina em cima da mesa, as meias no chão, o sal a mais na comida e as gargalhadas estridentes, que interrompem meio mundo. até os dentes chumbados passam a ter encanto.
porque muito para além da capa, o livro inteiro é que importa. o que conta, o que te diz, o que descreve, como começa, como se desenvolve, como acaba e como te toca.
e devagar, ou depressa demais, passam-se página a página na urgência de saber o que se segue.
o amor é uma espécie de matemática: ou se domina, ou se fica encurralado para sempre.

e logo eu, que nunca soube fazer uma conta de dividir.

12 fevereiro 2012

essências

havia quem me chamasse de bonequinha das sardas.
eu era aquela com ar de boneca de pano e pintas no nariz.
aquela que dançaricava e saltaricava por dentro ao som de bons amigos e sol a arder nas bochechas. aquela para quem uma música ainda pode conter muito mais que tudo o que houver para dizer. mas também aquela que se enrola como um bichinho-de-conta quando a tempestade ameaça. e que depois se espreguiça de braços esticados e sorriso largo assim que tudo passa.
observando com atenção, a bonequinha ainda existe.

10 fevereiro 2012

.


"(...) mas a mágoa não mora mais em mim. já passou, desgastei. para lá do fim.
é preciso partir.
é o preço do amor, para voltar a viver.(...)"

09 fevereiro 2012

é o que é.

a mesma realidade interior
e no entanto,
tão profundamente distantes no mundo real.

perguntar-nos-íamos o que vale mais: a realidade interior ou a realidade que se toca, se vive?
dir-se-ia que ambas.
e se ambas fossem conjugadas, ainda melhor.

não fosse aquela que está cá dentro ser a que nos mói, nos faz tremer e, eventualmente nos destrói.

[conheces-me os passos de cor. como se sempre me estivesses estado a observar de longe. como se sempre tivesses estado por perto. ]

conclui-se, portanto, que a realidade é tramada.
a interior e a que efectivamente se vive.

como dizia o outro,
"the show must go on".

07 fevereiro 2012

great expectations

cresces uma vida inteira na espectativa.
uma vida inteira a dizerem-te que quando fores crescida hás-de ter isto e aquilo e, hás-de poder escolher e, hás-de saber melhor e, hás-de viver assim e assado.
uma vida inteira passa por ti e ninguém te diz que quando lá chegares logo vês, que não vale muito a  pena pensares sobre isso, nem esperares demasiado. que a vida se vive de minuto em minuto. que os planos valem tanto como uma lata de atum. que o importante está nos detalhes, nos amigos que tens, na família que te rodeia, nos abraços inesperados, nas gargalhadas desprevenidas e nas lágrimas a rebentar.
mas ninguém te diz isso.
pelo contrário, cresces a esperar chegar a uma certa idade com uma série de conquistas nos bolsos. família, emprego certo, seguranças, psicoses resolvidas, maturidade suficiente para tomar as decisões certas e saber lidar com a vida.
e agora que estás quase lá a chegar, é que te dás conta de tudo isso.
e até é bonito.
mas custa como uma porta que se fecha no teu nariz.
e em vez de dares valor aos tais detalhes, amigos, família, abraços, gargalhadas e lágrimas, dias há em que olhas à volta e não reconheces conquista nenhuma.
tens quase 30 anos e de vez em quando ainda dependes dos teus pais.
não tens os filhos que tanto querias.
vives sozinha, ninguém depende de ti.
trabalhas sem contrato, sempre no limiar do desconhecido.
manténs uma auto-estima oscilante, que te belisca com força de vez em quando.
os medos e as incertezas que tinhas aos 18 continuam por perto.
ninguém te espera em casa à noite, depois do trabalho. nem ninguém está lá à mão de semear quando só tens vontade de te enrolar num abraço a chorar.
agora até andas sozinha de noite, na rua. a passos rápidos.
e ainda tens a necessidade de despejar o que te passa pela cabeça num blogue.
na tentativa de acreditar que alguém se importa.

mas essa não é a verdade, pois não?
a verdade é que tiveste coragem de agarrar a tua vida pelos cornos. tomar-lhe os pulsos e seguir com força, mesmo que sozinha. e decidir o que te apetece, quando te apetece e viver de minuto em minuto, mas em pleno.
a verdade é que tens os maiores amigos que podias desejar e uma família que te apoia incondicionalmente, e que te enrola num abraço quando precisas de chorar.
a verdade é que tens um trabalho que adoras, que te dá tudo sem pedires nada.
e que chegas a casa para alguém que se tornou família e te recebe sempre de bom humor e vontade de te ouvir.
a verdade é que te sentes leve como há muito não sentias e hoje é só um dia mau.

amanhã vais dançar e espantar tudo isso de sorriso na cara.

e se algum dia tiveres um filho, promete que lhe dizes a verdade.

06 fevereiro 2012

ôrganico

há pessoas que falam comigo e eu não as consigo ouvir.
depois há outras que sem nada dizer, ouço tudo o que me contam.

e isso,
é estranhamente natural.

música do dia




You can stop your crying, I'm never coming back
You can stop your crying, just walk down the tracks again
I just can't take the pressure, it's all too much for me
I just can't take the pressure, please just let me be

See I've been, breaking hearts, for far too long
Been loving you, for far too long,
Making plans now, for far too long
Yes I've been breaking hearts, for far too long
Loving you, for far too long,
It's time I left, it's time I'm moving on.

I'm gonna find a city, call the streets my own
I'm gonna find a city, drink until it's gone
The girls there, look so pretty, treat me oh so well
The girl there look so pretty, all just empty shells to me

See I've been, breaking hearts, for far too long
Been loving you, for far too long,
Making plans now, for far too long
Yes I've been breaking hearts, for far too long
Loving you, for far too long,
It's time I left, it's time I'm moving on.

When I need the shelter, I'll know just who to call
When I need the shelter, I'll be knocking on your door
But when it comes to dying, I'll do it on my own
I've never been too clever, I've always just hung on.

See I've been, breaking hearts, for far too long
Been loving you, for far too long,
Making plans now, for far too long
Yes I've been breaking hearts, for far too long
Loving you, for far too long,
It's time I left, it's time I'm moving on.

a indiferente leveza do ser

'opá e podiam-se escrever tantas coisas sobre isto.
sobre isto e sobre nada, realmente. que já pouco resta a dizer.
resta, isso sim, andar para a frente, caramba. de cabeça erguida, a fingir que "estamos bem, obrigadinha", que saúde é que é preciso. 
enfrentar os dias como se não fossem todos iguais, e a vida sempre a mesma. como se fosse tudo novidade e não soubéssemos de antemão o que vai acontecer. que, no fundo, é sempre o mesmo.
a verdade é que sobes sempre a mesma rua, voltas sempre à mesma casa e dormes sempre na mesma cama. a verdade é que às vezes isso sabe bem e outros dias há em que sabe a leite estragado, e que por preguiça lá vai ficando na porta do frigorífico.
finges que assim é que estás bem, que assim é que vale a pena.
e sais de casa com os phones bem pregadinhos aos ouvidos, para ver se disfarça o trânsito. na rua e na cabeça. pequenina-cabeça-que-não-páras-e-já-me-estás-a-irritar.
como se, na verdade, alguém se importasse.
"mais um dia, mais uma viagem."
quem pára, não anda.

04 fevereiro 2012

notas de uma música alegre

estava um frio-que-não-se-podia, apesar do sol e, a cabeça tilintava como campainha estridente. tliiiim tliiiim...!
aterras no meio do que te parece Lisboa, mas que te sabe a uma cidade marroquina qualquer, bem no meio da medina: vendedores, regateios, trocas, quinquilharia, tralha-que-nunca-mais-acaba, magotes e magotes de gente. o encanto da feira da ladra ao sábado de manhã.
o rio parece cumprimentar-te com um doce balançar de maré cheia e a sombra que traz o vento diz-te bom dia como quem vive em aldeia.
no meio da multidão algo te faz parar. a música que trazes nos ouvidos e que mais ninguém ouve, chama por ti como quem quer dançar ali mesmo, naquele meio, naquela medina, naquele alcatrão forrado a parafusos, telefones, sapatos mais gastos que o chão, grafonolas, vinis e cães de loiça.
fechas os olhos e sorris. é a música outra vez a chamar por ti.
deixas-te levar por ela, que me interessa se me acham esquisita?
invade-te uma felicidade estranha, esta a que já te vais habituando, pelo menos uma vez por semana. é uma felicidade nova, diferente de tudo.
são as tuas pernas que balançam sozinhas, os braços que vão atrás de um corpo autónomo, que rodopia sem que o possas controlar. é a tua cabeça a levitar e o teu coração a estremecer.
observas-te de cima, como quem flutua em teu redor e vês uma pessoa que já não conhecias. vês uma miúda com o mesmo nome que tu, e que até se parece contigo, de sorriso escancarado só porque sim. só porque é sábado, só porque está sol, só porque está na feira da ladra. só porque ouve uma música bonita. só porque dança.

e apercebes-te de que te estás a reconstruir aos poucos, a descobrir aos bocados e, a colares-te com super-cola 3, para que nunca mais deixes de ser fiel à melodia que te compõe.

03 fevereiro 2012

que mundo este

uma criança de sete anos ter um iPhone é... simplesmente estúpido.
uma de nove receber um iPad pelo Natal, estúpido a dobrar.
não me lixem.

02 fevereiro 2012

manual da auto-comiseração #2

"já alguma vez foste a melhor?"
tantas histórias, tantos invernos, tantas lágrimas numa só pergunta.
fico-me pelo quase. o quase lá. o lá perto. o penúltimo degrau da escada.
é espreitar da janela sem tocar. é ouvir baixinho sem denunciar. é sorrir de longe sem ninguém ver. é guardar cá dentro com tanta força que a garganta arde.
concluo que o importante não é o resultado mas o caminho. mas logo a seguir tudo isso me sabe a balelas, a clichés, histórias inventadas por vencedores de peito cheio. eles-sabem-lá-o-que-dizem.
na maior parte do tempo é sentires-te quase bem. no tempo que sobra, é levares com uma estalada de realidade dorida na cara. é não entenderes por que é que contigo a história está sempre em repeat.
por que é que és composta de poemas inacabados, notícias incompletas, costuras descosidas, quadros semi-vazios. copos meio-cheios.
entra em cena a malabarista: sempre que um malabar cai, tenta de novo. e espera um dia conseguir.

01 fevereiro 2012

coincidências

"nasce o linho dentro de água
anda sempre regadinho
assim meus olhos com mágoa
parecem irmãos do linho."

31 janeiro 2012

a ciência dos sonhos

olhos arregalados, expectantes. a mão bem esticada lá no alto, "quero falar, quero falar!", segredinhos envergonhados e a imaginação a voar sala de aula fora.
"O que queres ser quando cresceres?"
um clássico, de facto. mas desta vez numa outra língua; hoje é dia de falar de profissões. melhor, de sonhos. daqueles com sabor a caramelo, chocolate e morango. dos coloridos, grandes, maior que própria altura. daqueles que existem hoje e talvez amanhã já tenham desaparecido.
"quero ser escritor. quero ser construtor de legos. quero ser professora. (como eu?) quero ser médico, como o meu pai! quero ser compositor de música ou talvez mágico. jogador de futebol. cozinheiro, para fazer doces todos os dias. quero ser rico e dar emprego a toda a gente. quero ser espião (é spy que se diz, não é?). quero ser piloto de balões de ar, daqueles com um grande cesto. quero ser piloto de ferraris. bailarina. director desta escola. pintor. ladrão do meu próprio banco. vendedor de pipocas. eu quero escrever as tabuletas pequeninas que estão por baixo dos quadros nos museus."
e eis que depois de muito viajar, lá no canto da sala, o Jaime põe o dedo no ar e diz:
"eu quero ser um grifo"

e dou-me conta de que na maior parte das vezes aprendo eu muito mais com eles, do que eles comigo.
aprendo a sonhar de olhos fechados outra vez. e consigo quase imaginar-me num tapete voador a dar a volta ao mundo.

já agora, o que é um grifo?

silêncios


às vezes não há mesmo nada para dizer.
acrescentar.

ou até haveria, mas é melhor ficar assim mesmo.

28 janeiro 2012

manual da auto-comiseração #1

[a propósito de uma música recente]


foi sempre nos momentos em que fiquei em branco
que soube
não ser mais importante.

27 janeiro 2012

onde

por onde andámos, nós?

o momento em que o mundo explode nunca se esquece. aquele momento maior do que o tempo todo do mundo, em que tudo parece possibilidade, fica guardado sempre junto a ti.
não é assim?
depois acordas um dia e apercebes-te que o tempo afinal encolheu e, levou o mundo com ele. que nada será mais possível.
e esse momento também nunca se esquece.
não é assim?

e segues em frente, no frio de um janeiro imenso, na secreta esperança de esquecer tudo isto.

por onde andamos agora, nós?

26 janeiro 2012

danço, logo existo.

e o tempo parou mesmo.
afinal o tempo pára. os ponteiros em sereno descanso, de relógios que deixam de contar.
o mundo pára.
a vida abranda.
o coração estremece.
segue o corpo, como se voasse e, voa mesmo, num compasso natural, ondulante, harmonioso.
segue o corpo, seguem os pés. segue a cabeça, que voa dali para fora, para outra dimensão. distante, profunda, infinita.
fala-nos a música. a música fala connosco, também ouves?

afinal o tempo pára mesmo.
e eu parei com ele.
e eu ainda lá estou.

basta-me fechar os olhos.
e ouvir o que a música me diz.

e eu pergunto-me

para quê álcool e drogas,

                                                              quando podemos simplesmente dançar?

24 janeiro 2012

segura-te.

tens uma janela escancarada à tua frente. uma corrente de ar que te trespassa, como vidro cortante, gelado. os olhos fecham-se. agarras-te à cadeira, seguras-te na madeira velha como se dela tudo dependesse. com a força que nem sabias ter. mãos vermelhas, enrugadas de tanto apertar.

"segura-te com força senão o vento leva-te"

respiras fundo. susténs a respiração. só mais uns minutos, tens de te aguentar.
no instante em que abres os olhos, vês a sombra ao teu lado. começa na cadeira. é uma sombra cinzenta, mais cinzenta que o próprio cinzento. escura, cansada, contorcida. uma figura que se dobra sobre si, como se em desespero estivesse.

"segura-te com força"

acabas por ceder. cais. o vento leva-te. sentes o cimento contra o torso, o chão debaixo da pele.

[...]

acordas aquilo que te parecem três dias depois.
sendo na verdade o mesmo dia, exactamente três minutos depois de tudo isto, abres os olhos com vigor. adormeceste profundamente, o sono dos arrependidos, dos valentes, do mundo inteiro.
ainda meio entorpecida levantas-te, diriges-te à janela, entretanto fechada, como todas as manhãs, todos os dias. como sempre.

tudo permanece igual. a cadeira arrumada junto à secretária. os papéis organizados, arrumados. até o dia lá fora parece sereno demais. não corre uma aragem.
sentas-te à secretária.
começas a escrever. vorazmente, como se fosse fome.
páras. recomeças. páras. recomeças. páras.
e de repente, num assalto, um eco na memória. lembras-te.

só há uma coisa fora de lugar. ao teu lado, a terceira gaveta de cima aberta.
espreitas com atenção: fora de lugar uma fotografia daquele dia, naquela tarde, daquele lugar, dessas pessoas que já nem reconheces, mas que dizem um dia já teres sido tu.
a cabeçe estremece. o peito salta.

"segura-te com força senão o vento leva-te de novo"


gaveta fechada.



[considerações sobre a memória fotográfica e sua causa-efeito]

23 janeiro 2012

paradoxos

o paradoxo que é a vida.
o paradoxal das coisas que nos rodeiam, daquilo que somos, queremos ser, vemos, sentimos, desejamos, fazemos e vivemos.
o paradoxo de arranjar palavras caras que-eu-sou-muito-intelectual-de-livro-culto-à-mesa-de-um-café e não saber o que lhes fazer. se metê-las num caderninho moleskininho bonitinho e pretinho como manda a lei e guardá-las para sempre numa gavetaou, enfiá-las num blogue todo moderno, em adolescente convicção de grandeza e profundíssima profundidade poética.
as palavrinhas arranjadinhas por categorias.
os pontos finais, as vírgulas, as exclamações e os parêntesis. ai os parêntesis. [quando tiver um cão hei de apelidá-lo de parênteSI. assim mesmo, no singular.]
as palavrinhas de um caderno, escritas numa paragem de autocarro, em Benfica ou em frente ao rio - que sempre fica melhor - as palavrinhas que são as minhas.

o paradoxo de tudo isto e de mais um pouco.



de escrever sobre isso e publicá-lo num blogue todo moderno.

o que é um paradoxo, afinal?

22 janeiro 2012

grandes dias

há dias maiores que um dia normal.
dias largos, grandes, cheios.

há dias surpreendentes.

20 janeiro 2012

Dançar para levitar

a dança como instrumento, como piano, contrabaixo, violino.
a dança como ansiolítico. como pausa. como mergulho no mar.
a dança como silêncio cá dentro.
corpo solto. corpo leve, livre.
num intricado entrelaçado feito de minutos quase eternos, quase infinitos, ao som de uma mazurka.
corpos desconhecidos que conversam entre si. que se seguem.

[ electricidade estática ]

"danças?"
"claro."

assim começa a história.
não se conhecem, nem tão pouco sabem o nome um do outro.
sabem apenas que dançam. e conversam a dançar. a dança como conversa.
ele fala, ela responde. ele fala, ela responde.
duas mãos que se beijam.
quatro pernas que se cumprimentam.
dois braços que se abraçam.
dois corpos que se guiam.

um instante. alguns minutos. uma vida inteira.

17 janeiro 2012

constatação

e o tempo das palavras começa a esgotar-se...

um destes dias acaba esse tempo. muito em breve, pressinto.
nesse dia, acabará o que já se prolonga demasiado. a espera.
mas quando esse tempo acabar,
e quando as palavras tentarem entrar,
não terão espaço. não entrarão. ficarão à porta. à espera de ser lidas, ditas, ouvidas, escritas, daqui a muito, muito tempo, num dia igual aos outros, onde despropositadamente, por lapso, ao acaso, serão encontradas. e a porta então aberta. por acidente.

um destes dias o tempo das palavras termina.
pressinto.

e isto é só uma constatação.

14 janeiro 2012

essa luz



na passagem dos anos
das pessoas, dos autocarros ruidosos, do barco ao longe
no rio largo, prateado
essa luz
dessa cidade
esse barulho ao fundo, sempre esse barulho ao fundo
nessa cidade

na passagem de todas as coisas
de todas as pessoas
de todos os livros,
todas as histórias





passam os anos
passam as pessoas
algumas que vão ficando
nas letras impressas daquilo que é nosso todos os dias
passam os autocarros ruidosos
e as carruagens de metro lá em baixo

passam os anos
passam as pessoas

mas a cidade continua.

06 janeiro 2012

numa caixa de correio

Acordas e sais de casa. Determinada, com o futuro debaixo do braço e o passado pendurado na carteira, esperando a libertação de um e o começo do outro.
Chaves na ignição. O caminho de sempre, o caminho do costume. O rádio por companhia, o batuque das mãos ao volante.
"Será como tirar um penso rápido no joelho" pensas. Está tudo calculado: estacionar, entrar, arrumar o que falta, entregar a chave, sair, ir embora. Sem olhar para trás, sem dizer adeus. "Não posso olhar para trás, não consigo dizer adeus."
Até que por fim vem a realidade, como estalada seca na cara ao frio. Rápida, sem aviso, de repente. De rompante.
Ali estás. Naquela mesma rua, naquela mesma casa. As paredes vazias de quadros e cheias, tão cheias de tudo o resto.
Um último olhar, uma última volta.
O primeiro dia, o dia das mudanças, as sardinhadas no quintal, as noites de telepizza e filme, as festarolas com os amigos, o jogo do quarto escuro como miúdos da 3ª classe, o acordar feliz de manhã, as gargalhadas sonoras, o preparar das viagens, os regressos tardios. E por fim o silêncio ensurdecedor. As horas vazias, sozinhas. As palavras amargas como limão. As noites de lágrimas no canto do olho e de garganta dorida.
Dlim-dlão. A campainha.
Enfim está tudo tratado. "Deixo a chave no correio ainda hoje."

Uma última queda nos degraus. Uma despedida como deve ser. Toma-lá-para-te-lembrares. Levas daqui um joelho esfolado e uma cicatriz duradoura, só para que este momento mais doloroso que a própria dor fique gravado em ti. Na pele. Literalmente.
Uma história inteira dentro de uma caixa de correio. Uma vida inteira numa estúpida e feia caixa de correio.
A tal dor na garganta. Como quando fingia na escola que estava tudo bem quando ralhavam comigo. "Não posso chorar. Não posso chorar. Não posso chorar."

Uma faca, uma lança, um serrote, um espeto de barbecue, um garfo, espetados no estômago todos ao mesmo tempo quando te vejo subir a rua.

Não vejo a estrada. Está a chover contra os meus olhos, embaciados, violentamente molhados. O rádio no volume máximo para que lá fora ninguém ouça o que solto.
15 minutos de desespero. Conduzo como tempestade à noite.

Estaciono noutro bairro, noutra rua, noutra luz.
Toco à campainha, subo. A bola de ânimo recebe-me, de sorriso escancarado, como quem mima, como quem ama, como quem cuida. Como é possível que uma criança de 5 meses tome conta de mim?
E olho para ela e tenho a certeza de que vai ficar tudo bem.
Será um novo ano. Uma literal vida nova.
Ar fresco. Ar leve.
Eu aqui. Tu aí. Nós algures entre isto tudo e os outros todos.
Havemos de arranjar uma forma. Havemos de descobrir o caminho.

Feliz Ano Novo.