expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

17 setembro 2012

[depois de 15 minutos a olhar inerte para o computador, sem saber como começar, e de olhos embaciados]


querem, a toda a força, fazer-te acreditar de que a vida não vale a pena.
e horas há em que quase te deixas levar por essa falácia.
o teu trabalho que afinal não tem valor, não serve para nada, que pode facilmente ser dispensado por mão de obra mais em conta. o corte colossal no que recebes ao fim do mês ou a ausência de salário há quase 3 meses. as contas estratégicas para ver o que sobra. o carro que se avaria e que lá está parado há 2 meses até que haja dinheiro para o arranjar. a casa emprestada onde vives e a incerteza de onde estarás daqui a 3 meses. - debaixo do eixo norte-sul, numa tenda?
sim, eles querem fazer-te acreditar que a vida, os dias, as horas, não valem a pena. sabem a amargo. daquele que corrói, destrói, queima.
querem que acredites que não vales nada.

[olhos embaciados de novo]

mas tu és mais teimosa que eles. hás de chorar descontroladamente sempre que precisares, para no minuto a seguir sorrires sem medos ao sol, ao mar. no melhor abraço do mundo, na dança mais bonita.
hás de lhes provar que a vida é muito mais do que contas, salários em atraso, contas da água e da luz, jantares requintados ou férias no brasil.
hás de lhes provar que a felicidade toda do mundo cabe no momento em que apesar de tudo e de todos, ele olha fundo nos teus olhos e te garante que hão de conseguir. que aquela será a mesinha que hão de trazer da viagem a marrocos, um dia destes. que num piscar de olhos estaremos em nossa casa, que estará coberta das recordações que traremos das viagens que fizermos e das fotografias que por lá tirarmos. a mesma casa que encheremos de amigos, de amor, de abraços, de lágrimas, de dias mais difíceis, de dias mais doces, a casa onde a-ela-mais-pequenina terá um quarto que encherá de posters quando for adolescente. um dia destes.
e ele segura-te com força, para que não caias agora, enquanto te fala, para que não caias nunca. segura-te para que tenhas a certeza profunda de que estejas onde estiveres, enquanto estiverem juntos estarão sempre em casa. e que o essencial, se encontra num simples mergulho na praia, num par de mãos dadas a olhar o pôr-do-sol, à beira de uma tenda, enquanto o arroz se faz no camping gas. num acordar leve, em manhã de inverno, em abraço protector. num sono tranquilo e profundo ao meu lado enquanto leio. num olhar cúmplice, no meio da multidão. numa dança ao som de concertina.

e tens a certeza de que a vida é muito maior do que te querem ensinar.
e todos os dias te vês transformar numa mulher mais bonita. a mais sortuda de todas.
e sabes, com a certeza concreta das coisas profundas, que nunca foste tão feliz. e que não serão os carros avariados, os salários em atraso, as contas para pagar e os impostos que te convencerão do contrário.
sabes, porque sentes.
e quem vive uma vida inteira sem sentir, nada poderá saber.



"Se queres fazer da tua vida um elo de eternidade e manteres-te lúcido até no meio do delírio, ama... Ama com todas as tuas forças, ama como se não soubesses fazer mais nada, ama até causares inveja a príncipes e deuses...[...]. Quem passar ao lado da mais bela história da sua vida só terá a idade dos seus remorsos, e nem todos os suspiros do mundo poderão embalar-lhe a alma..."

Yasmina Khadra
in "O que o dia deve à noite"