expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

21 novembro 2012

amor

lembro-me dos verões entre legos, bicicletas e correrias na rua de vossa casa. de jogar às escondidas de quintal para quintal, primeira liga do campeonato. a cabana feita de canas na horta. o cheiro a bolo de iogurte com sumo de laranja casa fora. a hora de entrar, para ver o mcgyver - mac givér como dizia ele.
os serões a ver "o lugar da história" no canal 2, em frente à lareira, com chá de cidreira.
as férias de campismo, na praia fluvial de coja, os incêncios ao fundo e o passarinho magoado que ele insistiu em trazer para lisboa e vocês carinhosamente deixaram.
a birra épica no escaroupim. a prenda de natal, antes de todas: um bloco e uma caneta com um panda na ponta "c'a ganda pocaria" disse. arrepender-me-ia para sempre, de lágrimas grossas sempre que me lembro.
a boneca que me trouxeram da áustria.
os passeios por lisboa, o primeiro passeio de eléctrico, até ao aquário vasco da gama.
aquela tarde no museu de arte antiga, com um cozido à portuguesa na tasca em frente.
o som do teclado da máquina de contabilidade dele e o roncar violento da máquina de costura dela, uma tarde inteira. tac tac tac tac. tsss tsss ttttt ttttt.
a mão forte, enquanto víamos televisão, em cima da minha. as festinhas nos cotovelos. os beijinhos-passarinho.
as aulas de condução na aroeira.
os passeios na golegã, o rio tejo e os sítios da vossa infância. o ribatejo.
os primeiros passos, segundo reza a história, numa tarde no estádio 1º de maio.
e as histórias intermináveis, ouvidas uma e outra e outra vez.
esta vida de recordações bonitas.

hoje observo-vos.
vejo um homem na contradição entre o alheamento total e a consciência plena de estar velho.
uma mulher amarga pela vida, demasiado cansada para dar valor ao que ainda tem e é tanto.
duas cabeças esquecidas, confusas, tristes, à espera. dois pares de mãos dadas. esse amor de sempre.
um vazio violento como garfo na barriga, sempre que vos visito.
eu na contradição de vos querer dizer tudo e não conseguir fazer nada.

cá dentro serão sempre a avó dos bolos e o avô das histórias que visitarei e guardarei no peito.
se for um dia um terço da avó que foram, saberei ser a melhor.




je vous aime.


ao avô Guia e à avó Lisa.

09 novembro 2012

luz boa

uma vida inteira no mesmo puzzle de ruas, nos mesmos quarteirões.
sabes de cor cada pedra da calçada, cada escrito na parede. dizes "olá" ao senhor do talho, "bom dia" à padeira. aproveitas e compras folhas quadriculadas na papelaria da dona são. o caminho para a escola todos os dias, várias vezes.
o coração bate até mais devagar sempre que lá voltas. abrandas. respiras melhor. estás em casa.

do meu novo bairro vê-se o rio ao fundo, lá em baixo, a espreitar por entre telhados e antenas. de tão perto, consegue até sentir-se a maresia em dias de nevoeiro. e ouvem-se os barcos ao longe, a avisar a passagem pela cidade.
uma luz brilhante invade as janelas de casa - essa casa tão bonita -, iluminando as paredes brancas, vazias, só à espera de nova história.
ao fundo da rua o quiosque para tabaco e jornal. a mercearia aberta até tarde, o cheiro a frango assado na rua de cima.
o jardim. esse jardim grande, discreto, guardador de segredos bonitos.
o som do eléctrico sobre os carris.
se esta cidade não for a mais bonita do mundo inteiro, será com certeza a mais bonita dentro de mim.
enamoro-me por ela todos os dias, sucessivamente, a cada rua, cada janela, cada recanto, cada árvore. estendo a língua à chuva e sorrio à luz brilhante.

e sinto o coração a bater mais devagar. a abrandar. respiro melhor.
estou em casa.